sexta-feira, 31 de julho de 2009

A força da arte popular


“Os artistas do povo são tão antenados ao nosso tempo como qualquer artista contemporâneo”, afirma Lélia Coelho Frota (foto). O argumento é usado para combater ideias que associam arte popular à reminiscência e ao passado, enquanto trabalhos contemporâneos estariam ligados ao presente e ao futuro. A pesquisadora e escritora vai mais longe: relativiza divisões muito nítidas entre popular e erudito, já que, explica, na produção artística brasileira existe circularidade entre as duas coisas. Situação, avisa, que não ocorre apenas no Brasil, como mostra o jazz norte-americano.


“Noel Rosa, Villa-Lobos, Ataulfo Alves, todos os grandes criadores estão imersos no popular e no erudito”, explica Lélia. E lembra que o crítico literário Antônio Cândido disse ser natural para os brasileiros algo essencial para a arte moderna, que foi novidade da vanguarda internacional dos primórdios do século 20: a atenção às artes chamadas então de primitivas, como a africana. Para a pesquisadora, a carência de notícias sobre arte popular no Brasil, no século 19, só revela o quanto os grandes artistas, associados a esse caminho, são produto das eras moderna e contemporânea.

Se já houve tempos de preconceito com os artistas populares, como conta Lélia Coelho Frota, a situação está mudando. “Os críticos estão ganhando consciência de que autores como G.T.O, Artur Pereira, Gabriel Joaquim dos Santos não cabem num gueto, num rótulo. Eles não são repetidores dos artistas eruditos, todos têm criação própria, legítima e autoral. É uma visão mais de acordo com a realidade”, observa, satisfeita com a mudança de enfoque. Ainda considera que é possível avançar mais: “Arte popular não é só escultura e pintura, existem arquitetos”, avisa, valorizando criações que podem ser postas sob a órbita do design como móveis, colchas etc.

Lélia Frota é pesquisadora da arte popular. O trabalho mais recente é o livro, "Pequeno dicionário do povo brasileiro". Admiradora incondicional da produção do Vale do Jequitinhonha, visita a região desde 1975. “Deixou-me impressionadíssima a riqueza cultural da região, em contraste com a adversidade que a população enfrenta diariamente”, afirma. “A grande arte de artistas como D. Isabel, Ulisses Pereira, Noemisa é produto de informações novas, vindas a partir da eletrificação da região, feita pela Codevale, e pelo fato de a companhia ter começado a comprar os trabalhos”, conta, lembrando-se de que, anteriormente, a produção era voltada para utilitários ou apenas pequenos presépios.

“Está na hora de começarmos a ter olhar novo, descondicionado pelo que já sabemos das artes das camadas altas, de todas essas criações”, defende. Para tanto, explica, é preciso conhecer melhor o significado dela, a biografia dos artistas, o modo como refletem sobre o que fazem, exatamente como se faz para entender melhor a obra de qualquer artista. Com relação à bibliografia sobre o tema, considera que também melhorou, “mas é ainda modesta diante da importância do assunto.” Explica, inclusive, que há público interessado no assunto, como mostram a boa recepção às exposições e os muitos volumes com tiragens esgotadas. “É a nossa cultura, híbrida e maravilhosa, que vai salvar o Brasil”, garante.

(Jornal Estado de Minas)
Foto: Anselmo Goes/literaturaonline.com.br

Nenhum comentário: